Se antes o setor contava com investimentos tímidos de pessoas físicas, agora atrai a atenção de family offices em rodadas milionárias
Há uma profusão de negócios funcionando a todo vapor no segmento canábico – mesmo que a cannabis ainda não seja regulamentada no Brasil e o Projeto de Lei 399/2015 (que contempla a regulamentação dos usos medicinal e industrial) esteja emperrado nas casas legislativas desde 2015. Alguns desses negócios, já na terceira rodada de investimentos, alcançaram captações na ordem dos R$ 100 milhões.
A farmacêutica Ease Labs se destaca entre seus pares pela capacidade de atrair investimentos. Prestes a abrir a sua terceira rodada, a empresa confirmou, no fim de abril, o aporte de R$ 12 milhões do tenista Bruno Soares. Feito através do Madfish, o family office do atleta olímpico, o investimento pode representar uma tendência entre esportistas que estão comprometidos com o estilo de vida canábico e a quebra de tabus em torno dele.
Da segunda rodada de investimento, que contou com aportes da ALF Participações e do fundo Next, a Ease Labs garantiu a reserva de uma quota do fundo de inovação Bizhub – antes Next –, da consultoria Alvarez & Marsal. “Fizemos uma nova rodada de investimentos porque eles demonstraram que são as pessoas certas para receber esse aporte. Estamos com eles no longo prazo, iremos até o IPO”, diz Luis Camisasca, head de inovação na Alvarez & Marsal.
A pavimentação do caminho da cannabis, com a estruturação do mercado e sua consequente expansão, abre alas para os planos futuros da Ease de seguir pesquisando e disponibilizando tratamentos não apenas com a própria planta, mas também com psicodélicos que vêm apresentando ótimos resultados em tratamentos assistidos por psicoterapia – como a psilocibina, dos cogumelos “mágicos”. “Hoje, a cannabis é o nosso principal portfólio, mas queremos entrar em psicodélicos e outras substâncias. Nossa ideia é ser um veículo de inovação no Brasil, trazendo esses compostos que têm ação comprovada”, antecipa o CEO e fundador da Ease Labs, Gustavo Palhares.
Até poucos anos atrás, o crowdfunding estava em alta no chamado “cannabusiness”. Investidores pessoa física compravam coletivamente pequenas quotas e recebiam ações das empresas como contrapartida. Foi assim que a Dr. Cannabis (primeiro marketplace do nicho) manteve a saúde de sua operação, com R$ 750 mil arrecados na primeira rodada, em 2018; e R$ 2 milhões na segunda, em 2020. “O crowdfunding encaixa muito na linha de quem quer participar do mercado, mas não quer montar um negócio”, explica Viviane Sedola, CEO e fundadora da Dr. Cannabis.
Hoje, o empresário que investe dinheiro do próprio bolso para colocar uma empresa de cannabis de pé e sai batendo na porta de possíveis parceiros encontra investidores anjo, fundos corporativos e, especialmente, familly offices, cada vez mais interessados nos negócios canábicos no Brasil. Às vezes, não é preciso nem sair batendo de porta em porta para encontrar um investidor disposto. Murilo Chaves Gouvêa, fundador e sócio da Cannapag, que o diga.
O recente aporte anjo que recebeu, no valor de R$ 200 mil, partiu do interesse do próprio investidor, Diego de Assis, que procurou Murilo após uma palestra para conversar melhor sobre as soluções financeiras oferecidas pela Cannapag. Por conhecer a carência de um banco digital e de soluções de pagamentos voltadas para o segmento da cannabis no Brasil e no resto do mundo, ele não deixou a oportunidade passar.
Tampouco a Zion MedPharma precisou correr atrás de dinheiro. Com um quadro de sócios estrelado, onde figuram Claudio Lottenberg, presidente do conselho do Hospital Albert Einstein, e Dirceu Barbano, ex-presidente da Anvisa, que assinou as primeiras autorizações de importação de cannabis medicinal no Brasil, não demorou muito para que o family office Green Rock se apresentasse, oferecendo a parceria. Segundo Ricardo de Paula Salomão, um dos membros do fundo, eles estudaram outras quatro empresas antes de apostar na Zion. Mas o que fez com que um dos principais especialistas em saúde privada no Brasil apostasse no negócio canábico? “Muitas coisas mudam com o tempo na medicina. Cirurgia de obesidade, por exemplo. Até que as pessoas aceitassem que aquilo poderia ser válido e seguro foi complexo. Acho que a questão da cannabis vai um pouco por aí. Eu mesmo, dez anos atrás, não sei se teria entrado nessa”, confessa Lottenberg.
Alex Lucena, sócio da The Green Hub, concorda que, apesar de ainda estarmos muito atrás no quesito regulatório, temos no Brasil empreendedores preparados, que não deixam a desejar em relação ao que há ao redor do mundo. “São perfis bem técnicos, da ciência. Gente muito boa na parte médica. Óbvio que estamos longe de poder plantar, mas temos uma healthtech e agrotech de primeiro nível para atuar imediatamente quando abrir.” Lucena começa a se movimentar para lançar mais uma rodada de investimentos com a TGH – desta vez, de série B. Um primeiro passo em direção à estruturação do próximo objetivo do grupo: abrir um fundo de private equity com forte pilar na ESG nos próximos três anos.
A impressão de que está todo mundo falando de cannabis não é só uma impressão. O que contribui para esse cenário são portais de informação como o Sechat, que se dedica à cobertura da cannabis medicinal e industrial.
Mesmo com 15 medicamentos aprovados para venda nas farmácias brasileiras, não há perspectiva de mudança na legislação este ano. Como, então, tirar o atraso? “Precisamos focar em produtos para estimular investimentos e depois poder mostrar a experiência aos fundos de investimentos. E desenvolver tecnologia de cultivo com extração e purificação do óleo para que o extrato seja uniforme ao longo dos diferentes lotes”, ensina Dirceu Barbano.
Apostar em uma gama variada de produtos foi a estratégia escolhida pela Tegra Pharma, capitaneada pelos sócios Marcelo Galvão e Jaime Ozi. A Tegra captou R$ 10 milhões em investimentos dos próprios sócios e de um anjo, José Roberto Machado, diretor executivo de pessoa física do Santander e que hoje faz parte do conselho da farmacêutica.
Já a Maeté está de braços abertos tanto para empreendedores que não têm ideia de por onde começar quanto para investidores modestos. “A pessoa diz o valor que pretende investir e fazemos o cálculo para ver o equivalente de shares que corresponderia, e ela escolhe se quer investir em uma marca ou holding específica”, esclarece a co-CEO Barbara Hedler. As 30 empresas sob o guarda-chuva da Maeté contam com serviços disponibilizados pelo hub para se desenvolver. A marca Floyou, de calcinhas de cânhamo, por exemplo, recebeu auxílio na importação do têxtil, de ponta a ponta, inclusive com os trâmites de alfândega.
Muito do mercado brasileiro da cannabis passa pela The Green Hub. Os sócios Alex Lucena, Marcelo de Vita Grecco e Marcel Grecco constituíram a empresa em 2017 e, de lá para cá, atuam como aceleradora e incubadora, captando rodadas de investimentos que permitem que eles reinvistam em 12 empresas do ecossistema da cannabis no Brasil. Em maio, a TGH vai liderar a comitiva da América Latina no encontro Regenerative Cannabis Live, na sede da ONU, em Nova York. O evento reúne líderes e pensadores globais da indústria da cannabis.
O quadro de sócios da Zion MedPharma conta com dois nomes de peso que aportam grande know-how à operação da empresa e ao setor em si. Unindo a expertise de Claudio Lottenberg, com mais de 20 anos na gestão do hospital Albert Einstein (primeiro como presidente e depois como presidente do conselho), e de Dirceu Barbano (diretor da Anvisa entre 2008 e 2014), a importadora e distribuidora tem um valor de mercado estimado em R$ 60 milhões. Hoje, a Zion distribui no Brasil um produto fitoterápico suíço à base de cannabis e planeja, como próximos movimentos, realizar estudos clínicos e inovação farmacotécnica para futura produção de medicamentos em solo brasileiro.
Conectando pacientes desejosos de consulta e prescrição de cannabis medicinal aos médicos prescritores, Viviane Sedola, CEO e fundadora da Dr. Cannabis, criou o primeiro marketplace de médicos e produtos em 2018. Depois da Dr. Cannabis, outras empresas surgiram oferecendo serviços similares. A cannabiz woman – seu nome nas redes sociais – agora está focada na educação dos médicos e em congressos sobre cannabis medicinal.
O maior site brasileiro de notícias nasceu graças ao faro de três sócios: Daniel Jordão, Pedro Pierro e Fernando Pensado. Eles viajaram para o exterior em busca de ideias para empreender em cannabis. Em 2018, estiveram no Uruguai, nos EUA e em Israel. No início, o Sechat era focado em notícias sobre o uso medicinal de cannabis. Em seguida, a pauta se expandiu para a cobertura do uso industrial da planta. Perceberam também o quão promissor é o nicho de feiras e eventos sobre o tema. A Sechat programou a Medical Cannabis Fair, de 3 a 6 de maio, em São Paulo, junto com a Medical Fair Brasil, edição nacional da feira alemã organizada pelo Grupo Messe Düsseldorf, considerada o maior evento da indústria médico-hospitalar mundial.
Com o objetivo de facilitar pagamentos e transações financeiras, um dos grandes desafios da indústria da cannabis no mundo, o piloto do que hoje é a Cannapag surgiu na associação de pacientes Abrace (Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança, em João Pessoa, PB), em 2019. Murilo Chaves Gouvêa, um dos três sócios da primeira fintech brasileira de cannabis, conheceu seu uso medicinal ao tratar um câncer de pele com a planta. Além de oferecer serviços de meio de pagamentos para as associações de pacientes, importadoras de medicamentos, growshops, drogarias, farmácias e clínicas médicas, a Cannapag planeja para este ano o lançamento de um cartão de crédito para pacientes. O cartão será produzido com matéria prima canábica, substituindo o plástico pelo cânhamo.
O braço brasileiro da multinacional HempMeds foi a primeira empresa a fornecer produtos à base de cannabis com fins medicinais no Brasil. Com faturamento na casa dos R$ 22 milhões, a farmacêutica iniciou operações no país em 2014 e, desde então, sustenta uma operação com crescimento na casa de 50% ao ano. Ao longo de sua trajetória, a HempMeds já colaborou com a importação de mais de 140 mil derivados da cannabis para pacientes brasileiros. Matheus Patelli, diretor executivo da farmacêutica, antes de ingressar no cannabusiness, atuou em organizações do Brasil como Ambev e a Câmara Americana de Comércio.
Uma das farmacêuticas que tem chamado a atenção pela rapidez com que se desenvolve no mercado, a Ease Labs desempenha uma trajetória que começou com a importação de medicamentos para seus pacientes e que, ainda este ano, deve passar a contar com produtos disponíveis na prateleira das farmácias. A empresa está prestes a lançar sua terceira rodada de investimento, no valor de R$ 70 milhões, com o que deve estabelecer as operações da empresa entre as mais importantes do setor no Brasil. Somando as outras rodadas, os aportes alcançam R$ 100 milhões.
A farmacêutica Tegra, que faz parte do grupo OnixCann, é capitaneada por Jaime Ozi, uma das figuras de maior relevância do nicho no país. Sua trajetória no cannabusiness começou em 2016 ao assumir a posição de country manager da Canopy Growth no Brasil. Por uma mudança de estratégia da marca, o empresário se desligou da operação em 2019, e pouco tempo depois, foi convidado por Marcelo Galvão, presidente da OnixCann, a integrar a empresa como sócio e vice-presidente.
A empresa nasceu no final de 2019 como uma consultoria empresarial que une a expertise jurídica dos sócios Emilio Figueiredo e Ricardo Nemer à vivência empresarial dos outros dois sócios, Sandro Langer e Vinicius Alvarenga, para atender empreendedores interessados em desenvolver o ecossistema da cannabis no Brasil. Pioneira no alinhamento de oportunidades empresariais pelo prisma jurídico e empresarial, a Sinapse tem forte atuação social e detém participação em quatro empresas do ramo.
Do sonho de dois amigos que queriam empreender com sustentabilidade e propósito, a Maeté nasceu e rapidamente e se tornou um hub de fomento a empresas canábicas no Brasil. Em julho de 2020 os dois sócios tiraram fundos do próprio bolso para colocar a iniciativa de pé, mas seis meses depois, já eram 40 amigos participando do fundo que faz da empresa um ponto de apoio importante para vários negócios de cannabis. Segundo a Maeté, atualmente, 30 empresas do ramo estão sob seu guarda-chuva, contando tanto com projetos nacionais como internacionais, em relações já estabelecidas com Portugal, Espanha, Paraguai e os Estados Unidos. E projeção de crescimento na Colômbia, Alemanha, Holanda, no Equador, Uruguai e Canadá.
Reportagem originalmente publicada na edição 96 da Forbes Brasil, de abril de 2022
Referência: https://forbes.com.br/forbes-money/2022/06/cannabis-atrai-family-offices-em-rodadas-milionarias-no-brasil/
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